por Luís Santiago Baptista
1. Conforme prometido no final do ano passado, a arqa promove agora o segundo ciclo do programa curatorial geração z, apresentando mais 4 práticas emergentes portuguesas.1 Depois de, no final de 2009, termos apresentado geração z #1, com MOOV, Arquitectos Anónimos, Kaputt! e AUZprojekt, apresentamos agora geração z #2, um novo ciclo de exposições e conferências a ter lugar na sede da Ordem dos Arquitectos, desta feita com Plano B, José Pedro Sousa/ReD, Extrastudio e Atelier Data. Sendo este um segundo ciclo, impõe-se fazer um primeiro balanço crítico, que extravase o “breve relato crítico” já publicado.2 Se, por um lado, as exposições foram visitadas e bem recebidas pelo público e as conferências e respectivos debates foram bastante concorridos e participados, por outro, não faltou pluralidade e polémica nas páginas da revista-catálogo que então editámos. No entanto, as intuições que expusémos nesse editorial confirmaram-se, em grande medida, nas respostas às nossas entrevistas-inquérito e nas reacções que fomos tendo de todo o evento.3 A questão geracional na arquitectura portuguesa continua remetida para o campo do indizível, assumida como existente na generalidade para logo de seguida ser reenviada na especialidade para o domínio do irrelevante. Simplificando, parece que a questão geracional sempre existiu da mesma forma, numa mera repetição circular do mesmo desde a emergência das vanguardas históricas, que subentende uma periodicidade regular estabelecida, regida por um tempo homogéneo e cadenciado, no essencial avesso aos fenómenos de aceleração e pluralização histórica, ou mais prosaicamente, que é coisa de juventude, associada explicitamente a ingenuidade, inexperiência, senão mesmo oportunismo, ou que é alimento da lógica mediática disciplinar vigente, gerando sentimentos de indiferença e no limite desconfiança. Ao fim e ao cabo, poderíamos concluir que esta seria então uma falsa questão, um tema sem conteúdo, uma tese sem consistência. Mas acreditamos que não. Perante as dificuldades sentidas pelas gerações mais novas, alguns factos muito positivos dão-nos que pensar: os MOOV e o Atelier Data, sem praticamente obra construída, estão prestes a construir em Dallas um protótipo experimental de quarteirão sustentável; as práticas muito jovens Urbanouveau e Blaanc estão em processo de construção respectivamente de um plano de reabilitação habitacional na Índia e de um modelo de habitação sustentável em África; o atelier Rocha Tombal, tendo emigrado, constitui hoje uma prática desafiadora consistentemente estruturada no país de acolhimento, embora praticamente desconhecida no país de origem; os Ateliers de Santa Catarina, formando um conglomerado internacional de práticas emergentes, participam na construção colectiva de obras relevantes de Portugal à China; um blogue como o do ateliermob funciona como plataforma expansiva de informação disciplinar e divulgação projectual, adquirindo um impacto nacional e internacional; um arquitecto como Marcos Cruz é neste momento director da Bartlett, uma das escolas de arquitectura mais importantes do mundo. Os exemplos, apesar de tudo, poder-se-iam multiplicar. Não tanto como uma galeria de conquistas nacionais lá fora, mas como sintoma de uma mudança significativa nas práticas arquitectónicas emergentes e no seu modo de organização, funcionamento e comunicação.4 Como se pode interpretar esta realidade disciplinar emergente? De que forma podemos enfrentar criticamente esta nova situação? Com que instrumentos e dispositivos o poderemos fazer? Foi a estas perguntas que procurámos afirmativamente com o programa geração z. Baseamo-nos num conjunto de parâmetros cronológicos e profissionais – arquitectos já nascidos depois do 25 de Abril e com atelier montado já neste milénio – que nos pareceram relevantes no contexto disciplinar nacional e internacional, parâmetros porém sempre de certa maneira artificiais. De resto, esta é apenas uma das perspectivas críticas possíveis. Esta cartografia geracional não invalida outras abordagens da arquitectura portuguesa consideradas igualmente relevantes, sejam elas inter-geracionais, multi-geracionais, ou porque não mesmo anti-geracionais. Todavia, esta abertura a outras linhas de investigação não nos afasta da convicção que este é o caminho mais fecundo. Falamos em convicção e não em certeza. E isto torna-se muito importante porque o projecto geração z não é um programa legitimado à partida, justificado com antecedência, confirmado a priori. É essencialmente uma hipótese em cima da mesa, ou melhor, um teste em plena execução. Enfim, um work in progress. Por isso, investimos essencialmente na análise crítica e adiámos estrategicamente as conclusões. Interessa-nos mais, por agora, seleccionar candidatos, compilar informação e promover o debate. Desde logo, queremos não só mostrar consistentemente a obra dos ateliers envolvidos e ouvir atentamente as suas ideias, mas igualmente convocar a sua criatividade na apresentação da sua produção arquitectónica, primeiro bidimensionalmente, no caderno geração z inserido na revista, de seguida tridimensionalmente, na instalação na galeria da Ordem dos Arquitectos. Depois, procurámos inquirir sobre a temática geracional não apenas aqueles que se cruzaram de diferentes modos com a questão das práticas emergentes, como um conjunto relevante de arquitectos, críticos e teóricos de arquitectura dos mais diversos quadrantes disciplinares. Não pretendemos congregar uma comunidade de afectos em volta da diferença geracional, tal como não desejamos instigar a polémica estéril. Queremos simplesmente perceber o que está a mudar para melhor actuarmos. E se a mudança nas condições profissionais e produtivas não é propriamente geracional, não deixa de ser nas gerações mais jovens que ela se manifesta de modo mais claro e intenso. Para o bem e para o mal. Neste sentido, deixamos o convite para que nos visitem na exposição e conferências geração z #2 e que leiam o material apresentado, neste número da arqa e no anterior sobre esta mesma temática. A partir daí tirem, mesmo que provisória e tentativamente, as vossas ilações e conclusões.
1 Ver: https://geracaoz.wordpress.com/
2 Ver: Luís Santiago Baptista, «GERAÇÃO Z #1: Breve relato crítico do evento na Ordem dos Arquitectos», in arqa #77, 2010.
3 Ver: Luís Santiago Baptista, «GERAÇÃO Z #1: Porque é tão difícil debater diferenças geracionais na arquitectura portuguesa?», in arqa #75-76, 2010.
4 Ver: Itinerâncias de Cristina Veríssimo sobre Jovens Arquitectos Portugueses Premiados Internacionalmente neste número da arqa.