Breve relato crítico do evento na Ordem dos Arquitectos
in Revista arqa #88/89
por Luís Santiago Baptista
No âmbito do programa “Arquitectura em Revista”, promovido pela Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos, a revista arqa realizou, entre 7 de Outubro e 26 de Novembro, no edifício dos Banhos de São Paulo, o segundo ciclo do programa curatorial de exposições e conferências GERAÇÃO Z. Depois de um primeiro ciclo GERAÇÃO Z #1 em 2009, com a participação de MOOV, Arquitectos Anónimos®, Kaputt! e AUZprojekt, o segundo ciclo GERAÇÃO Z #2 apresentou agora, em 2010, mais 4 práticas emergentes na arquitectura portuguesa, de novo divididas em duas sessões de exposições e conferências. Em termos gerais, pode-se dizer que este segundo ciclo seguiu as linhas orientadoras traçadas no ciclo anterior, apenas manifestando uma diferença significativa. Essa diferença esteve na vontade expressa de interacção entre as práticas que se apresentavam em simultâneo na galeria de exposições. Esta estratégia de contaminação entre os projectos expositivos revelou, de diferentes maneiras, uma intenção de comunicar para além da especificidade de cada abordagem arquitectónica, ultrapassando a lógica implícita de confronto autónomo de ateliers num mesmo espaço expositivo.
A 1ª sessão decorreu entre 7 a 29 de Outubro com os ateliers Plano B e José Pedro Sousa, fundador com Marta Malé-Alemany do estúdio ReD, do qual foi co-director até 2009. Parecendo de campos disciplinares muitas vezes entendidos como diametralmente opostos, surpreendeu todos a proposta expositiva conjunta que apresentaram. De facto, se o Plano B tem trabalhado no âmbito de uma abordagem singular à arquitectura da terra, desenvolvendo uma prática próxima da artesanalidade e de carácter participativo, José Pedro Sousa tem explorado as novas ferramentas tecnológicas digitais, com especial incidência nas suas possibilidades produtivas. Tornou-se por isso extraordinariamente significativo que o programa GERAÇÃO Z não tenha aqui promovido apenas uma exposição conjunta de duas práticas estimulantes, mas tenha permitido o seu imprevisível encontro e colaboração. Mesmo tendo de abandonar a meio uma primeira proposta expositiva mais arrojada, a exposição conjunta do Plano B e José Pedro Sousa mostrou o potencial da comunicação entre perspectivas assumidamente diferentes mas não incompatíveis. A exposição centrou-se na construção de uma superfície modular complexa, criada e produzida digitalmente, realizada in situ no espaço da galeria com cilindros de terra e palha. Se José Pedro Sousa configurou a geometria curva complexa e produziu digitalmente em esferovite o molde, o Plano B trouxe os materiais naturais em bruto para a galeria, entre eles diversos tipos de terra, palha, sisal e água, para a construção individualizada dos elementos modulares cilíndricos. A realização desta instalação arquitectónica seria depois iniciada na própria inauguração e levada a cabo ao longo do tempo da exposição pelos visitantes. A força conceptual deste projecto expositivo acabou por relegar para segundo plano a composição tridimensional das imagens dos projectos, complementado ainda com uma amostra material, de José Pedro Sousa e fazer esquecer a total ausência de material da produção projectual do Plano B. No entanto, a simplicidade aparente desta proposta expositiva não pode ocultar a grande relevância da sua ideia fundadora. E essa adquiriu na exposição, acima de tudo, a configuração de um statement. Um manifesto pelo potencial da hibridização de programas e metodologias. Mas ainda um manifesto pela participação activa do público no processo.
No próprio dia de inauguração, 7 de Outubro, realizou-se a conferência-debate desta primeira sessão do GERAÇÃO Z #2, com a presença dos ateliers Plano B e José Pedro Sousa, a participação convidada do arquitecto e crítico Nuno Grande e moderação de Luís Santiago Baptista. Após o comissário ter apresentado a revista-catálogo arqa #84-85, centrada no evento GERAÇÃO Z #2, e efectuado uma breve análise crítica do primeiro ciclo em 2009, iniciaram-se as conferências individuais dos ateliers presentes. José Pedro Sousa fez um percurso pela a sua produção projectual, mostrando as diversas respostas a programas e situações específicas e a complementaridade das diferentes vertentes do seu trabalho, seja académica e de investigação, seja profissional e projectual. O Plano B, representado por Eduardo Carvalho, mostrou a diversidade do trabalho do atelier e revelou a sua forma de organização e produção, adoptando uma posição mais crítica e mesmo por momentos irónica. Pressentiu-se nas apresentações o optimismo moderado do primeiro, em virtude do potencial das novas tecnologias numa aproximação mais efectiva à realidade concreta, e o pessimismo equilibrado do segundo, perante as dificuldades das abordagens alternativas em se afirmarem num mercado dominado pela convencionalidade. No papel de crítico convidado, Nuno Grande revelou algumas reservas em relação à ideia de ruptura geracional, encontrando nas práticas associadas à contracultura dos anos 60 e 70 grande parte das referências que emergem hoje nas ditas novas abordagens arquitectónicas. Num tom amigavelmente polémico, o crítico levantaria ainda algumas questões pertinentes que os dois ateliers lhe tinham suscitado, a saber, a tendência para a autonomização da fachada nas abordagens digitais e o posicionamento essencialmente arty adoptado pelas práticas mais alternativas. Estas questões dominariam todo o debate aceso que se seguiu. Em suma, a discussão centrar-se-ia fundamentalmente no papel do arquitecto na contemporaneidade, interrogando até que ponto as novas tecnologias e as abordagens ecológicas podem ou não efectivamente legitimar rupturas na concepção tradicional da arquitectura. As opiniões, conforme seria de esperar, dividiram-se.
(continua…)
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